Um feliz acaso pode originar uma terapia inédita, simples e segura contra o câncer

Por Docmedia

12 maio 2023

A pele dos seres humanos é colonizada por uma infinidade de cepas bacterianas, a maioria das quais sobrevive sem causar qualquer efeito deletério sobre o hospedeiro e auxiliar na manutenção da barreira cutânea e na prevenção de infecções patogênicas. Uma dessas espécies é o Staphylococcus epidermidis, espécie colonizadora, mas que desencadeia uma curiosa resposta imune mediada por células T CD8.

Neste ponto, pesquisadores da Universidade de Stanford ficaram curiosos para descobrir por qual motivo o organismo hospedeiro despende energia mobilizando uma resposta imune de porte direcionada contra agentes com pouco potencial de dano. A publicação na revista Science conta que a forma escolhida para investigar essa questão foi modificar geneticamente o S. epidermidis para que expressassem ovalbumina, um antígeno pertencente a diversas linhagens tumorais habitualmente cultivadas em camundongos.

Com isso, pretendiam verificar se as células T CD8 induzidas pelo S. epidermidis colonizadores, que parecem não exercer qualquer atividade de defesa e não produzem inflamação, teriam a capacidade de desenvolver o mesmo potencial imune de outras células T CD8 que combatem tumores e infecções. Então, um grupo de camundongos saudáveis recebeu um esfregaço com swab na cabeça contendo o S. epidermidis expressando ovalbumina, esse mesmo tipo de bactéria morta por calor ou nenhuma bactéria.

Seis dias após a colonização foi possível ver que os animais tratados mostraram indução de grande quantidade de células T CD8. Após seis dias do desafio de colonização, todos os animais receberam injeções de células tumorais de melanoma expressando ovalbumina. Após algum tempo, os animais dos grupos não colonizados (placebo ou bactérias mortas) começaram a desenvolver tumores que cresciam rapidamente. Curiosamente, os animais colonizados desenvolveram tumores que cresciam muito mais lentamente ou não desenvolveram qualquer tumor.

Microscopicamente, enormes quantidades de células T CD8 expressando ovalbumina foram flagradas nos gânglios linfáticos e infiltrando os tumores desses animais. Um experimento posterior mostrou que a estratégia desenvolvida por acaso funcionava também como tratamento, inibindo o crescimento tumoral quando a colonização ocorreu com tumores já estabelecidos e até metastáticos para os pulmões. Ainda mais curioso, quando os camundongos colonizados que não desenvolveram tumores foram desafiados por nova injeção de células tumorais, ficaram mais uma vez protegidos em efeito similar ao de memória imune verificado com as vacinas.

Por fim, os pesquisadores relatam que a combinação da colonização com S. epidermidis modificado com imunoterápicos inibidores do ponto de verificação imune mostrou forte sinergia do ponto de vista do efeito antitumoral. Clinicamente, isto significa que tumores estabelecidos foram eliminados em 15 dos 16 animais tratados com a combinação.

Segundo os autores, uma vez que efeito de indução de células T por S. epidermidis já foi demonstrado em primatas não humanos e camundongos, há esperança de que a descoberta inesperada possa concretizar o desenvolvimento de uma terapia anticâncer eficaz, simples e barata também para seres humanos.

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Fonte: https://www.science.org/doi/10.1126/science.abp9563

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